segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Já ouviu falar em Teologia Bíblica?

       Se você é estudante de teologia seja por ter ingressado em um curso teológico ou mesmo porque estuda de maneira independente, provavelmente já leu ou ouviu falar algumas vezes a expressão conjunta teologia bíblica. Nos cursos que realizei, fui desafiado a enxergar os textos da Escritura Sagrada diante de uma perspectiva bíblico-teológica. Mas, o que seria teologia bíblica? Aliás, alguma teologia poderia não ser bíblica? Este foi um dos questionamentos realizados e prontamente respondidos em nossa apostila no curso[1].
Estudiosos de teologia têm, ao longo dos anos, sistematizado as áreas do saber teológico e com isso é comum encontrarmos outros nomes, geralmente se referindo ao âmbito de atuação (MEISTER, 2010): Teologia Histórica, Teologia Dogmática. Embora saibamos que nossa forma de pensar não é compartimentada, esse recurso é sem dúvidas um agente facilitador para organização e delimitação das pesquisas realizadas na Teologia.
Ao buscarmos resposta satisfatória para a pergunta sobre teologia bíblica, assim como Geerhardus Vos (2010) introduz em seu livro, precisamos primeiro pensar nos termos. A palavra teologia etimologicamente transmite a ideia de ciência que tem por fim estudar Deus. Sabemos que ao estudar algo lidamos geralmente com objetos impessoais e por esse motivo buscamos aquilo o que é possível encontrar por meio de nossos próprios esforços (VOS, p. 13). Entretanto, no caso de um ser pessoal, para que haja efetivo conhecimento é necessário que ele se exponha, se revele. Não é possível conhecer ou estudar a Deus a não ser que Ele tenha o propósito de se revelar[2]. Desta forma, como salienta Morris (2008), Teologia pode somente ser definida quando temos em mente que os aspectos etimológicos devem ser reféns dos corretos pressupostos. Desta forma poderíamos ter uma definição mais apropriada como estudo daquilo o que é possível conhecer a respeito de Deus ou ainda, estudo do que Deus desejou revelar a respeito de si mesmo.
Devemos então adicionar o outro termo, bíblica. O que este termo acrescenta a essa definição tem variado de acordo com a forma que o estudante enxerga as Escrituras Sagradas. É possível que alguém que não creia na Bíblia como Palavra de Deus proponha uma definição diferente da que trabalharemos em nossos estudos. Contudo, porque lidamos com a Bíblia como a infalível, inerrante e inquestionável Palavra de Deus cremos que o que está registrado em suas páginas não somente nos servem como regra de fé e prática, como também deve ser considerado na forma em que é apresentado.
Uma observação das Escrituras poderá fornecer ao leitor a consideração acertada de que seus livros foram escritos com propósitos específicos. É comum que identifiquemos que há uma história na maioria destes livros, principalmente se observamos os de gênero literário narrativo. Esta percepção é fundamental para iniciarmos nossas análises. Mas, há ainda uma consideração que não pode ser deixada de lado, pois é ela que diferencia os meros leitores dos estudantes da Teologia Bíblica (TB). Os textos das Sagradas Escrituras estão harmonizados e muitas vezes se utilizam das referências já apresentadas em outros textos para composição de suas informações. Ou seja, eles parecem se alimentar e retroalimentar das informações contidas em si mesmo (me refiro a todo o Cânon), dando a ideia de que estão trabalhando para composição de uma única história, que está sendo continuada à medida que seus dados são registrados.
Herman Ridderbos observa a forma como o Novo Testamento (NT) completa o Antigo Testamento (AT) e em sua clássica obra, When the Time Fully Come[3]. Ele descreve na análise de alguns eventos do NT e sobretudo em como eles são relacionados ao AT no propósito de apontar para Cristo. G.K. Beale também faz o mesmo em A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of The Old Testament in the New[4], pontuando os desdobramentos revelacionais do AT dentro de si mesmo, e como trabalham para evidenciar o que de maneira culminante se apresenta no NT.
Essa forma de enxergar as Escrituras contribui para o entendimento amplo e a certificação da unidade das Escrituras mesmo em meio a sua diversidade. Quando estudamos TB, nossa proposta é que estejamos com os olhos abertos para enxergar essa história que foi preciosa e poderosamente elaborada e revelada, o progresso dessa revelação, seus desdobramentos e o lugar do texto estudado nessa história, que tem sido comumente nomeada, História da Redenção.
A Teologia Bíblica se ocupa essencialmente da identificação de como os primeiros leitores foram acrescidos pelos ensinos que lhes foram destinados, mas também como ocorreu acréscimo em sua percepção teológica quando comparado ao que provavelmente fazia parte de sua crença. Desta feita, para aquele que está ingressando nos estudos bíblicos teológicos, fazer algumas perguntas é muito importante. Perguntas do tipo: Qual é o lugar deste livro na História da Redenção? Como a Bíblia é acrescida por ele? Ou como ela perderia se esse livro não estivesse no conjunto de livros da Revelação?
Esperamos que os alunos estejam sempre atentos ao que será tratado neste início e contato com essa disciplina.



[1] Refiro-me aqui ao curso de Especialização em Teologia Bíblica, ministrado pelo Prof. Dr. Mauro Meister, atualmente, diretor do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
[2] Vos procura fazer um apanhado crescente, caracterizando a pressuposição basilar quando nos referimos ao conhecimento teológico.
[3] RIDDERBOS, Herman. When the Time Fully Come: Studies in New Testament. Toronto: Paideia Press. 1957.
[4] Esse livro já se encontra traduzido para o português, como Teologia Bíblica do Novo Testamento - A continuidade do Antigo Testamento no Novo (Vida Nova). Outras obras importantes sobre o tema desse mesmo autor são: Comentário do Uso do AT no NT (Vida Nova), O uso do Antigo no NT e suas Implicações Hermenêuticas (Vida Nova).