Quanto
mais estudamos a Bíblia mais percebemos o quanto seus ensinos se mostram
singulares. Alguém certa vez disse: “Tire a Bíblia da face da terra e o padrão
de certo ou errado estariam comprometidos”,
consequentemente, isso se refere a sua potencialidade como palavra advinda do
próprio Deus. Essa característica coloca a Bíblia acima dos livros ordinários
(comuns), pois como já disse em outros posts,
ela tem status de Escritura Sagrada por sua inspiração e inerrância e é
definitivamente Palavra de Deus. Não trabalharei por defendê-la contra os que
não concordam com minha forma de enxergá-la, até porque ela mesmo ensina que
alguns estão cegos para a preciosidade de seu conteúdo.
Meu propósito é apontar sua
singularidade por meio da observação de algumas palavras. Na verdade, em
português, se trata apenas de um verbo, fugir. Essa palavra é curiosa! Ela é
usada de várias maneiras, e algumas de formas mais comuns. Normalmente,
associamos a fuga ao resultado de alguma derrota, medo, ou perigo. Ao mesmo
tempo, podemos perceber que é comum seu uso como orientações tanto ao que se
deva fazer quanto para o que não deve ser feito. Há uma vastidão em seu uso e
os dicionários normalmente atribuem níveis de significado que se relacionam
entre si: 1) livrar-se de perseguição; 2) salvar-se de perigo; 3) evitar (algo
indesejável, desagradável), esquivar-se.
Na Escritura Sagrada podemos
encontrar essa palavra por mais de duzentas vezes, sendo que o maior número
ocorre no Antigo Testamento (cerca de 195x). No Novo Testamento, quem mais
utiliza a palavra é o apóstolo Paulo (I Co 6:18; 10:14; I Tm 6:11; II Tm 2:22),
e me parece que, por seu uso, podemos entender que essa é uma palavra
importante para prescrição de uma vida bem sucedida diante de Deus.
Embora
façamos menção à frente sobre alguns dos ensinos do apóstolo nos versículos
citados, gostaria de refletir sobre dois eventos no Antigo Testamento onde a
palavra fugir aparece. São duas fugas de dois homens de Deus. Diante de
momentos decisivos, esses homens tomam rumos diferentes. Os dois personagens
são conhecidos: José e Jonas. Os versículos onde as palavras aparecem são
mostrados abaixo:
“Então ela, pegando-o
pela capa, lhe disse: Deita-te comigo! Mas ele, deixando a capa na mão dela, fugiu, escapando para fora”. (Gn 39:12)
“Jonas,
porém, levantou-se para fugir da
presença do Senhor para Társis. E, descendo a Jope, achou um navio que ia para
Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com
eles para Társis, da presença do Senhor”. (Jn 1:3a)
Estes textos apresentam dois usos da
palavra fugir. Em Hebraico são duas palavras diferentes: nûs, a primeira; bârach,
a segunda. As palavras trazem significados muito aproximados às definições que
já apresentamos até aqui, acrescentando apenas à segunda uma particularidade
pelo modo verbal que aponta para algo que é feito de maneira repentina ou
inesperada. É interessante que, apesar de aparentemente ser antagônica a
comparação de alguém que foge do pecado com alguém que foge em desobediência (pecando),
essas histórias mostram que as duas fugas proporcionam seus ensinos quando
entendemos que Deus é a referência que o autor deseja que tenhamos em mente.
José, após ter sido vendido como
escravo para Potifar, estava prosperando de maneira que até seu senhor percebia
que Deus estava com ele (Gn 39:3), mas o próprio José parece demonstrar com
seus atos a certeza de que o que acontecia em sua vida não estava desconectado
da vontade de Deus e que em tudo, Ele o observava. Poderíamos entender que é isso
que o leva a fugir do que, segundo suas próprias palavras, seria um “grande
mal”, seria “pecar contra Deus” (Gn 39:9). Deus é quem José tem em mente para
evitar se enveredar por caminhos que manchariam seu caráter, que o distanciaria
do homem que havia sonhado que seria.
Olhando para a outra história, temos
uma ideia do porquê de o verbo fugir se apresentar como algo repentino. As
palavras que antecedem a fuga de Jonas são imperativas da parte de Deus e o
convocam a caminhar em outra direção. A ordem não descrevia Társis como
destino, e sim Nínive. Mas, subitamente, vemos o profeta de Deus tomando uma
direção inesperada. O verbo é empregado pra caracterizar a tomada de uma
direção que não estava em conformidade com o que era atribuição de um profeta. Qualquer
que observe as prerrogativas do ofício profético sabe que o que Jonas faz é uma
contravenção ao próprio ofício, que preconizava a obediência acima de qualquer
convenção. O atender às determinações do Senhor era levado sempre a sério por
esses homens, porque sabiam que um deslize poderia significar grave punição.
Alguns profetas tiveram suas vidas transformadas em algo que quase nunca era
satisfatório em decorrência de terem sido escolhidos por Deus para missões
árduas, mas nem por isso a desobediência era uma opção.
É no mínimo assustador ver um
profeta com tamanha “audácia”, como Jonas, de desviar-se de fazer a vontade de
Deus para fugir de sua presença. Poderíamos confabular várias justificativas
para a fuga de Jonas, mas nem precisamos fazer, porque o livro se encarrega de
nos fornecer que ele estava preocupado com o bem estar de sua nação, pois os
ninivitas eram rivais de Israel. Seu pensamento pode ser traduzido nas
seguintes palavras: “Conhecendo que Deus é grande em misericórdia, não quero
que esse povo (moradores de Nínive) receba a oportunidade de, se arrependendo,
serem libertos por Deus”. De certa forma, alguns têm enxergado Jonas como um
tipo de libertador. Alguém que coloca sua vida em risco diante de Yahweh para
que o povo seja salvo, pois a não anunciação da mensagem traria continuidade
aos planos divinos de destruição da cidade, sem a oportunidade de
arrependimento.
A mensagem de Jonas traz a lume os
propósitos redentivos do Senhor. Estes não se restringem à nação de Israel, mas
a todos aos quais estende a Sua graça. Mas, a observação sobre a fuga de Jonas
permanece e aprendemos que a tentativa independente de encontrar escape
distante de Deus não conduz o homem à prosperidade ou a libertação de seus
dilemas.
Quando estendemos a comparação
novamente dos textos e avançamos para percepção dos resultados, obtemos grandes
ensinos. Por causa da manutenção de seu caráter obediente a Deus, a fuga de
José produz resultados aparentemente catastróficos. Ele é lançado em uma prisão
no Egito, lugar onde normalmente as pessoas estavam expostas à morte ou ao
esquecimento. Contudo, a história toma um rumo em que José é levado ao mais
alto lugar no reino egípcio, sendo constituído governador do Egito, estando
abaixo apenas de Faraó, depois de revelar um sonho que o afligia. Parece que para
José, fugir, o conduziu ao exato lugar de onde Deus efetivamente realizaria o
completar de Seus desígnios para a vida do jovem filho de Israel.
Na vida de Jonas, percebemos algo
diferente. Se sua fuga intrinsecamente revelava até boas intenções para com os
seus irmãos, as consequências da desobediência não materializaram suas ações
como benéficas a Deus e impactaram seu estado. A prova disso pode ser
encontrada por todo segundo capítulo do livro. Sua fuga lhe produziu angústia
(Jn 2:2), intranquilidade (2:3), vergonha (2:3) e o pior dos resultados com o
qual um homem pode ser confrontado, o afastamento de Deus (2:5-7).
Ao relacionar estes dois
personagens, reproduzimos imagens diferentes para os dois em todo processo de
fuga e resultados: José poderia ser descrito de cabeça erguida, enquanto Jonas,
escondido e de cabeça baixa. Cada qual colhe o fruto de suas ações. Notamos
assim, um paradoxo na utilização de uma mesma palavra. Em José, quando
confrontado com o que desagrada a Deus, fugir é utilizado como imperativo que
produz bom resultado. Enquanto que em Jonas, sua fuga é oposta à determinação
dada pela palavra de Deus. Isso produz péssimos resultados.
É possível enxergar que, desde o Éden,
o homem tem sido confrontado com o paradoxo da fuga. Adão recebeu de Deus o
imperativo de fugir do pensamento de comer da árvore do conhecimento do bem e
do mal, mas porque seguiu caminho oposto, descobriu à duras penas que quando
não nos esforçamos para uma fuga em obediência a Deus sempre produzimos como
resultado a fuga da desobediência. Sendo assim, quando o imperativo fugir não
foi recebido por obediência ele foi produzido como consequência. Foi essa a
decisão de Adão ao se deparar com seu estado deplorável pós- queda. Ele ainda
sentiu o agravo quando foi confrontado com o conhecimento de que uma dessas
fugas é impossível, pois ninguém jamais conseguiria se ocultar da presença do
Senhor, que tudo vê.
Quando identificamos a importância
de considerar esse aspecto como um mandamento, mencionamos as orientações de Paulo
sobre o imperativo. Temos o dever de fugir da aparência do mal... (I Ts 5:22),
da prostituição, dos ídolos, da ganância (I Tm 6:11), das paixões da mocidade.
Todas estas admoestações enfatizam a necessidade de cuidar para não sucumbir às
tentações. Nossa vida é dotada de imperativos e muitos deles estão ligados ao
fato de que devemos fugir daquilo o que desagrada a Deus. Todavia, devemos
estar atentos à realidade que de uma forma ou de outra estamos empregando o
verbo em nosso cotidiano. Se fugimos daquilo o que desagrada a Deus nos
aproximamos do desfrute de suas promessas, mas se fugimos de sua presença por
meio do abraçar de nossas próprias convicções, do amor aos nossos prazeres, da
desobediência, sabemos que a angústia, a intranquilidade, a vergonha e o
consequente afastamento de nosso Senhor serão nossos tormentos.
A Bíblia afirma que, por Cristo
Jesus, os crentes foram chamados para a obediência (Rm 1:5) e por meio da
obediência à Palavra de Deus estamos sendo habilitados para as boas obras (II
Tm 3:17). De certa forma, isso também pode ser visto nas decisões que tomamos
em nossas vidas. Uma coisa precisamos ter certeza, Deus está atento aos nossos
passos. É inevitável que se andarmos por caminhos que desagradam a Deus,
teremos como consequência a fuga da vergonha, mas se clamarmos por misericórdia
e nos fortalecermos no Espírito de Cristo, Deus pode fazer com que nossos
caminhos, ainda que em meio ao sofrimento, convirjam para a concretização de
Seus belos planos. O que faremos? Pra onde fugiremos?
Que
o Senhor tenha misericórdia de nós!
Pr. Jonatas
Bento.