Quando o sofrimento
bate a nossa porta, naturalmente, perguntamos: O que fiz para merecer isso? Por
que isso está acontecendo? E sem obter nenhuma resposta, a conclusão sempre
resulta em um sentimento de que estamos sendo injustiçados. Os ateus se
utilizam deste argumento para encostar os crentes na parede (não me refiro a
evangélicos) dizendo, se existe um Deus por aí, onde ele está quando estamos
passando por situações de sofrimento intenso?
O Dr. Donald Carson
inicia uma de suas palestras (How Could a Good God allow suffering?[1])
dizendo, “Se você viver tempo suficiente,
você irá sofrer... A única coisa que poderá impedir você de sofrer é não viver
o suficiente”. O exegeta expõe que esta é uma realidade que não é somente
questionada ou enfrentada pelos que se chamam cristãos, mas por todos os seres
humanos. Ele declara que não é possível produzir resposta satisfatória para o
motivo do sofrimento. Mas, apresenta aspectos que nos remetem ao controle do
Deus Todo-Poderoso e a implantação de Sua pedagogia nos seres humanos. Alguns
se beneficiam quando têm conhecimento, outros, simplesmente não conseguem
alcançar.
A história de Jó
sempre nos remete a questionamentos desta natureza. O sofrimento dele parece
algo inexplicável, algumas vezes entendido como um desafio entre Deus e
Satanás. Não obstante, ter sido o próprio Deus, a fazer referência à postura
íntegra de Jó: “Observaste o meu servo
Jó?”. O questionamento realizado por Satanás, segundo o Dr. Daniel Santos,
é algo semelhante a “Porventura teme Jó a
Deus em troco de nada?”. Se analisássemos somente o primeiro capítulo,
diríamos, essa parece ter sido a razão para que Deus permitisse a efetivação
das tragédias na vida de Jó. No entanto, quando lemos todo o conteúdo do livro,
um propósito maior está implícito.
Jó não foi capaz de
compreender porque tudo aquilo havia acontecido em sua vida. E o texto
demonstra que não era isso que ele deveria buscar, quando com uma boa seção de
perguntas, Deus lhe mostra que Suas ações não demandavam explicações aos seres criados
por Ele. Dentre os grandes aspectos pedagógicos do livro de Jó, poderíamos
encontrar algo pertinente aos seus primeiros leitores, se entendessem que nem
todo sofrimento é decorrente de uma atitude pecaminosa consequencial. Por isso,
alguns trechos do livro são por demais delicados.
No capítulo 5, um
amigo de Jó (Elifaz), apresenta a ele sua teologia, dizendo, em outras
palavras, que Jó deveria aceitar aquela “correção” de Deus, indicando que
provavelmente havia algo em oculto que somente Jó e Deus sabiam. Assim, estava
recebendo a devida punição por isso. Jó então declara que Deus teria todo o
direito de fazer de sua vida o que quisesse, mas em suas afirmações, enfoca também
que o próprio Deus era testemunha de sua integridade. A consciência do controle
de Deus era plena na vida de Jó, no entanto, as palavras de seu amigo não eram
adequadas. Muito embora, em primeira instância, todos os homens herdaram a
natureza pecaminosa de Adão. Mas, o que está implícito aqui é a consequência
imediata de algum pecado.
Não poderemos
identificar a grandeza da atitude de Jó, nem atrair para nós seu ensino, se não
visualizarmos o quão foi doloroso para ele ter que passar por tudo o que
passou. Neste ponto, já parece evidente que não obteremos resposta satisfatória
para o questionamento levantado no título desta postagem. Contudo, os
ensinamentos contidos neste pequeno versículo servem-nos de consolo e também
fornecem a fonte da esperança e subsistência de Jó. Pois, é notório que, pela
atitude de Jó, este foi o pior episódio com o qual fora confrontado em toda sua
vida. Somente alguém que não se atenta aos detalhes do texto, poderia dizer que
para Jó foi tranquilo ouvir, em um só dia, a tragédia de suas perdas.
Algo tão doloroso
para ele havia sido aquele episódio. Ao passo que ele se levanta, rasga suas
vestes, raspa sua cabeça, indicando sua condição emotiva face ao ocorrido.
Essas ações indicam tristeza profunda, angústia, humilhação e luto. Não há
possibilidade de que esse fato não tenha sido profundamente doloroso, tornando
um pouco mais fácil a atitude de adoração de Jó. Ao contrário, pelas
circunstâncias envolvidas, todas as áreas da vida de Jó, foram profundamente afetadas.
A justificativa para
a atitude de Jó, porém, é esclarecida em suas próprias palavras. No verso
subsequente, lemos: “Nu saí do ventre de
minha mãe e nu tornarei para lá; Yahweh deu e Yahweh tirou; bendito seja o nome
de Yahweh.” (v.21). Jó tinha a consciência de que tudo quanto possuía havia
sido dado por Deus, consequentemente, entendia que o mesmo que deu, sem que ele
sequer merecesse tamanha dádiva, poderia tirar quando e como bem desejasse.
Ontem, conversava com
meus alunos do 3º e 5º período do curso de Bacharel em Teologia no STO, e
trouxe a eles este texto para nossa reflexão. Dentre nossas observações,
notamos que este homem possuía um senso de que havia recebido muito mais do que
merecia. O que nos levou a uma
clara constatação acerca de sua integridade. No texto, duas percepções são
evidentes: a integridade de Jó e sua confiança em Deus. Apesar de alguns dicotomizarem
os assuntos, creio que ambos estão intimamente ligados neste trecho. De maneira
que a integridade de Jó é notável por sua própria confiança e certeza de que
sobre a mão de Yahweh está o controle de todas as coisas.
O texto parece
indicar que Jó recebe referências do próprio Deus sobre sua integridade e
atitudes corretas para com Yahweh, porque ele tinha consciência da soberana mão
de seu Senhor para direcionar a vida de seus súditos. Parece ser isso que leva
o autor à fatídica conclusão: “Em tudo
isso não pecou Jó, nem atribuiu a Deus falta alguma” (v.22). Quando seria
natural do ser humano questionar: Por que eu? Por que isso está acontecendo
comigo? O que eu fiz para merecer isso?
Repetimos que Jó, nem
ao final do livro, compreendeu claramente por que as coisas que aconteceram em
sua vida se sucederam desta forma. Todavia, o grande ensinamento que o livro de
Jó parece traduzir, ao próprio personagem, é que tudo aquilo o que era crido por Jó, pôde ser experimentado para
produzir verdade à sua própria fé. Deus proporcionou a Jó um meio de que
sua fé fosse provada e aprovada para ratificação de sua condição de conscientemente
dependente de Deus.
As tragédias
enfrentadas por Jó o levaram à condição de alguém que tem a certeza de onde
está firmada a sua fé. Bem, como efetivaram sua dependência do Deus Yahweh, em
todos os aspectos de sua vida. Isso o levou ao grau de ser referenciado como
bem-aventurado e ter sua paciência citada como um exemplo de que Deus pode agir
com misericórdia e compaixão para com os seus (Tg 5:11).
Seria pertinente
compreendermos que Deus tem um plano até mesmo em nosso sofrimento. As diversas
etapas com as quais somos confrontados, se possuem relação de ratificação da
nossa fé, são como o apóstolo Paulo declara, produtores de um “eterno peso de
glória” (II Co 4:17). Jó obteve bom proveito de suas provações, chegando à
conclusão que isto lhe proporcionou um conhecimento visual de Seu Senhor, “mas agora, te vêem os meus olhos” (Jó
42:5). A referência é claramente a um conhecimento mais preciso do poder que
Seu Deus possuía para comandar os estágios de sua vida.
Perdemos tempo
questionando por que Deus faz isso, ou permite aquilo, quando poderíamos
buscar: O que Deus quer me ensinar com isso, ou com aquilo que Ele fez ou
permitiu acontecer. Quem sabe, não chegaríamos ao estágio a que Jó foi levado,
em uma profunda humilhação que lhe proporcionou finalmente o conhecimento de si
mesmo.
Talvez este seja o
grande intento de Deus, na deliberação das dificuldades que se apresentam em
nossas vidas. Deus deseja que conheçamos quem Ele realmente é (Soberano), e
consequentemente, quem nós somos. Ao que Jó declara: “Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e
na cinza”. (Jó 42:6).
Que o Senhor nos
ajude!