quinta-feira, 10 de outubro de 2019

As linhas escuras e os dias cinzentos... o desconhecido presente em todo tempo...



Tal ciência é maravilhosíssima demais para mim; tão alta que não posso atingir.
Salmos 139:6
Quem já considerou as linhas escuras de um bordado? Quem já valorizou os dias cinzentos? Quem se alegrou com a incerteza? Ou desejou adentrar um local que desconhecia? Talvez já tenhamos nos deparado com pequenas alegrias que vieram após a superação de momentos que inicialmente só apontavam incertezas. É possível que tenhamos obtido ensinamentos que jamais alcançaríamos se não tivéssemos adentrado os recônditos do que era plenamente desconhecido. Somos pessoas que almejam segurança, mas a verdade é que a segurança parece bem distante se o que buscamos é a ausência de riscos, incertezas, perigos. Pessoas como nós estão sempre fugindo do risco, porque no fundo desejamos uma vida sem muitos desafios, sem muitas surpresas, sem muitas dores. E porque vivemos fugindo do risco nos deparamos com uma vida que nos leva apenas à morosidade, à conformidade, até mesmo à ansiedade. Basta uma simples travessia pelos umbrais dos portões de nossa segura residência e começaremos a nos sentir inseguros de todos os lados. Além disso, de acordo com as probabilidades, apenas o passar do tempo será suficiente para trazer inevitáveis confrontos com o sofrimento da vida, mesmo que não saiamos de nossa casa. Cedo ou tarde perderemos coisas, pessoas, doenças chegarão, nossa segurança irá embora e junto, o controle. As linhas escuras, os dias cinzentos sempre chegam...

Quando reflito sobre isso, lembro-me de uma das canções que mais amo, O Tapeceiro de Stenius Marcius. Em última análise, ela ensina que ainda que sejamos surpreendidos por momentos difíceis e amargos, devemos permanecer com o ensinamento de que Deus é o autor da História, mas que precisamos confiar naquilo o que nos ensina o apóstolo Paulo, que “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu propósito.”. Quando ouço esta canção recordo especialmente do Salmo 139. Este salmo exalta o Deus que tudo sabe, que tudo vê, Deus que tudo governa. No verso 16, ele declara: “Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todos meus dias foram escritos...”. O autor do salmo parece ter percebido que se tratava de uma revelação tão excelente acerca de Deus que precisou enfatizar que “Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta que não a posso atingir”.

Se por um lado o fato de Deus conhecer todas as coisas é assombroso, por outro a noção de que este mesmo Deus está orquestrando tudo segundo seu propósito deve nos confortar. Causalidade, nesta perspectiva, não estaria desconectada de intencionalidade. Ou seja, Deus não apenas proporciona que as coisas aconteçam, mas também possui intenção para cada resultado de suas ações. É nesse ponto que podemos pensar que mesmo os dias cinzentos, as linhas escuras, as fases de nossa vida que não contamos com tanto orgulho, os eventos que desejaríamos que fossem apagados de nossa história, tudo isso não deveria ser tratado como algo inútil (purposeless – sem propósito). Deveríamos entender que as mais improváveis circunstâncias que ocorrem em nossas vidas estão de uma forma toda especial sendo desenhadas por um Deus que é soberano em suas ações. Refletir sobre isso, nos faz ter maior conhecimento deste Deus, entendendo que Ele não é apenas criador, mas também sustentador de todas as coisas e assim nos leva a descansar Nele. Ele é Aquele “que sabe o fim desde o começo”!

John Piper ensina que o sofrimento na vida do crente é pedagógico e muito oportuno. Ele reflete sobre isso em uma pregação que expõe o capítulo quatro da segunda epístola de Paulo aos Coríntios. A parte final é verdadeiramente contundente, onde expõe os versos 17 e 18: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas”. Piper confirma que um crente não deveria considerar nada que ocorre no decurso de sua vida como algo inútil. Nem mesmo uma morte vergonhosa e abrupta estaria fora dos secretos propósitos de Deus pelos quais está proporcionando peso eterno de glória na vida de seus servos. É assim que deveríamos ver a morte de João Batista, por exemplo. Depois de um ministério tão belo, ele é alguém que recebe uma morte tão abrupta e vergonhosa, sendo decapitado e tendo a cabeça servida em uma festa de orgias. Que final de vida mais cinzento! Por que teria Deus proporcionado a alguém tão exemplar um final tão duro? A Bíblia não nos faz conhecer a razão porque isso aconteceu, mas ela nos faz ter a certeza de que isso não foi inútil.

Somos seres limitados e só conseguimos ver aquilo que está ao alcance de nossos olhos, mas a Escritura interessantemente nos convoca a atentar para aquilo o que não se pode ver com olhos naturais. Ela nos ensina que a resposta que não obtemos com o desfecho da história de João Batista alcançamos quando comparamos com outra morte aparentemente inútil e certamente injusta. Em Atos 7, lemos que a proclamação do Evangelho genuíno trouxeram pesadas pedras sobre o corpo de Estevão e o levaram até à morte em pouco tempo. Mas antes que fosse assassinado temos na menção de suas últimas palavras o quadro que revela o contraste entre o que se pode ver e o que não se pode ver. Por meio da declaração “Vejo os céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus”, Estevão foi consolado diante daquilo que aconteceria alguns minutos depois. Ele sabia que sua morte não seria em vão, pois o alvo de sua adoração estava contemplando tudo o que estava acontecendo. Mas a utilidade desse momento ia além do que poderia compreender. Até que o capítulo 8 se inicia e somos surpreendidos pela informação de que um judeu em especial estava ali a presenciar todo ato e a consentir com tudo o que acontecera a Estevão. Este homem ouve as últimas palavras de Estevão que invocam perdão a Deus para seus opressores. Sabemos que esta oração de Estevão foi ouvida. E se não conseguimos dimensionar quantas pessoas foram alcançadas por esta oração, temos a certeza de que pelo menos uma delas foi. O dia aparentemente mais terrível da vida de Estevão pode ter sido um dia muito importante para toda cristandade. Em pouco tempo, Saulo se tornaria o maior Evangelista da História Cristã na proclamação do Evangelho aos gentios. Com isso, quero dizer que existe algo que desconhecemos, que não conseguiremos ver se o Senhor não nos mostrar, mas que estará lá quer vejamos ou não.

Ainda que o que vejamos sejam apenas as linhas escuras, precisamos nos lembrar que o Tapeceiro nunca erra, ele sabe o que está fazendo. Mesmo que o dia esteja cinzento, o Sol voltará a brilhar. O autor de toda história não deixou de trabalhar. Por isso, não permitamos que a incerteza, o risco ou mesmo a dor, manifestem tamanha desesperança que nos faça esquecer que os propósitos de Deus serão concretizados na vida de seus filhos. Sabemos que eles podem não se desenrolar como desejávamos, mas se ao final pudermos ver a Deus, abraçá-lo e beijá-lo, o que mais poderíamos almejar? 

Que o Senhor complete sua obra em nós em toda e qualquer circunstância que seja útil para nos conduzir para mais perto dEle.

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