Tal ciência é
maravilhosíssima demais para mim; tão alta que não posso atingir.
Salmos 139:6
Salmos 139:6
Quem já considerou as linhas escuras de um bordado? Quem
já valorizou os dias cinzentos? Quem se alegrou com a incerteza? Ou desejou
adentrar um local que desconhecia? Talvez já tenhamos nos deparado com pequenas
alegrias que vieram após a superação de momentos que inicialmente só apontavam incertezas.
É possível que tenhamos obtido ensinamentos que jamais alcançaríamos se não
tivéssemos adentrado os recônditos do que era plenamente desconhecido. Somos
pessoas que almejam segurança, mas a verdade é que a segurança parece bem
distante se o que buscamos é a ausência de riscos, incertezas, perigos. Pessoas
como nós estão sempre fugindo do risco, porque no fundo desejamos uma vida sem
muitos desafios, sem muitas surpresas, sem muitas dores. E porque vivemos
fugindo do risco nos deparamos com uma vida que nos leva apenas à morosidade, à
conformidade, até mesmo à ansiedade. Basta uma simples travessia pelos umbrais dos portões de nossa segura residência e
começaremos a nos sentir inseguros de todos os lados. Além disso, de acordo com
as probabilidades, apenas o passar do tempo será suficiente para trazer inevitáveis
confrontos com o sofrimento da vida, mesmo que não saiamos de nossa casa. Cedo
ou tarde perderemos coisas, pessoas, doenças chegarão, nossa segurança irá
embora e junto, o controle. As linhas escuras, os dias cinzentos sempre chegam...
Quando reflito sobre isso, lembro-me de uma das
canções que mais amo, O Tapeceiro de
Stenius Marcius. Em última análise, ela ensina que ainda que sejamos
surpreendidos por momentos difíceis e amargos, devemos permanecer com o
ensinamento de que Deus é o autor da História, mas que precisamos confiar naquilo
o que nos ensina o apóstolo Paulo, que “Todas
as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados por seu propósito.”. Quando ouço esta canção recordo especialmente
do Salmo 139. Este salmo exalta o Deus que tudo sabe, que tudo vê, Deus que
tudo governa. No verso 16, ele declara: “Os
teus olhos viram o meu corpo ainda informe; e no teu livro todos meus dias
foram escritos...”. O autor do salmo parece ter percebido que se tratava de
uma revelação tão excelente acerca de Deus que precisou enfatizar que “Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão
alta que não a posso atingir”.
Se por um lado o fato de Deus conhecer todas as
coisas é assombroso, por outro a noção de que este mesmo Deus está orquestrando
tudo segundo seu propósito deve nos confortar. Causalidade, nesta perspectiva,
não estaria desconectada de intencionalidade. Ou seja, Deus não apenas
proporciona que as coisas aconteçam, mas também possui intenção para cada resultado
de suas ações. É nesse ponto que podemos pensar que mesmo os dias cinzentos, as
linhas escuras, as fases de nossa vida que não contamos com tanto orgulho, os
eventos que desejaríamos que fossem apagados de nossa história, tudo isso não
deveria ser tratado como algo inútil (purposeless
– sem propósito). Deveríamos entender que as
mais improváveis circunstâncias que ocorrem em nossas vidas estão de uma forma
toda especial sendo desenhadas por um Deus que é soberano em suas ações. Refletir
sobre isso, nos faz ter maior conhecimento deste Deus, entendendo que Ele não é
apenas criador, mas também sustentador de todas as coisas e assim nos leva a
descansar Nele. Ele é Aquele “que sabe o
fim desde o começo”!
John Piper ensina que o sofrimento na vida do crente
é pedagógico e muito oportuno. Ele reflete sobre isso em uma pregação que expõe
o capítulo quatro da segunda epístola de Paulo aos Coríntios. A parte final é
verdadeiramente contundente, onde expõe os versos 17 e 18: “Porque a nossa leve e momentânea tribulação
produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; Não atentando nós nas
coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são
temporais, e as que se não vêem são eternas”. Piper confirma que um crente
não deveria considerar nada que ocorre no decurso de sua vida como algo inútil.
Nem mesmo uma morte vergonhosa e abrupta estaria fora dos secretos propósitos
de Deus pelos quais está proporcionando peso eterno de glória na vida de seus
servos. É assim que deveríamos ver a morte de João Batista, por exemplo. Depois
de um ministério tão belo, ele é alguém que recebe uma morte tão abrupta e
vergonhosa, sendo decapitado e tendo a cabeça servida em uma festa de orgias. Que
final de vida mais cinzento! Por que teria Deus proporcionado a alguém tão
exemplar um final tão duro? A Bíblia não nos faz conhecer a razão porque isso
aconteceu, mas ela nos faz ter a certeza de que isso não foi inútil.
Somos seres limitados e só conseguimos ver aquilo
que está ao alcance de nossos olhos, mas a Escritura interessantemente nos
convoca a atentar para aquilo o que não se pode ver com olhos naturais. Ela nos
ensina que a resposta que não obtemos com o desfecho da história de João
Batista alcançamos quando comparamos com outra morte aparentemente inútil e
certamente injusta. Em Atos 7, lemos que a proclamação do Evangelho genuíno
trouxeram pesadas pedras sobre o corpo de Estevão e o levaram até à morte em
pouco tempo. Mas antes que fosse assassinado temos na menção de suas últimas
palavras o quadro que revela o contraste entre o que se pode ver e o que não se
pode ver. Por meio da declaração “Vejo os
céus abertos, e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus”,
Estevão foi consolado diante daquilo que aconteceria alguns minutos depois. Ele
sabia que sua morte não seria em vão, pois o alvo de sua adoração estava
contemplando tudo o que estava acontecendo. Mas a utilidade desse momento ia
além do que poderia compreender. Até que o capítulo 8 se inicia e somos
surpreendidos pela informação de que um judeu em especial estava ali a presenciar
todo ato e a consentir com tudo o que acontecera a Estevão. Este homem ouve as
últimas palavras de Estevão que invocam perdão a Deus para seus opressores.
Sabemos que esta oração de Estevão foi ouvida. E se não conseguimos dimensionar
quantas pessoas foram alcançadas por esta oração, temos a certeza de que pelo
menos uma delas foi. O dia aparentemente mais terrível da vida de Estevão pode ter
sido um dia muito importante para toda cristandade. Em pouco tempo, Saulo se
tornaria o maior Evangelista da História Cristã na proclamação do Evangelho aos
gentios. Com isso, quero dizer que existe algo que desconhecemos, que não
conseguiremos ver se o Senhor não nos mostrar, mas que estará lá quer vejamos
ou não.
Ainda que o que vejamos sejam apenas as linhas
escuras, precisamos nos lembrar que o Tapeceiro nunca erra, ele sabe o que está
fazendo. Mesmo que o dia esteja cinzento, o Sol voltará a brilhar. O autor de
toda história não deixou de trabalhar. Por isso, não permitamos que a
incerteza, o risco ou mesmo a dor, manifestem tamanha desesperança que nos faça
esquecer que os propósitos de Deus serão concretizados na vida de seus filhos.
Sabemos que eles podem não se desenrolar como desejávamos, mas se ao final
pudermos ver a Deus, abraçá-lo e beijá-lo, o que mais poderíamos almejar?
Que o
Senhor complete sua obra em nós em toda e qualquer circunstância que seja útil
para nos conduzir para mais perto dEle.
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